segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Voce é Especial
“Os amores da vida são fundados num quiproquó tanto quanto os amores terapêuticos. Quando nos apaixonamos por alguém, a coisa funciona assim: nós lhe atribuímos qualidades, dons e aptidões que ele ou ela, eventualmente, não têm; em suma, idealizamos nosso objeto de amor. E não é por generosidade; é porque queremos e esperamos ser amados por alguém cujo amor por nós valeria como lisonja. Ou seja, idealizamos nosso objeto de amor para verificar que somos amáveis aos olhos de nossos próprios ideais.”
–Contardo Calligaris, em Cartas a um Jovem Terapeuta
Depois dessa citação do Calligaris, você já pode brincar com sua namorada quando ela soltar elogios:
“Você só me acha esperto, gostoso e charmoso porque quer ser amada e desejada por um cara esperto, gostoso e charmoso.”
Não só ela. Todos nós, homens e mulheres, somos mendigos absurdamente carentes de olhares. Queremos nos sentir vivos – e nada melhor para isso do que uma pessoa com olhos brilhantes ao nosso lado. Queremos ter uma existência com sentido, ser alguém especial. Um parceiro que acredite em vidas passadas, almas gêmeas e amor eterno, piscando em nossa direção, talvez dê conta do recado.
Já que nossos pais não são imortais para sustentar pra sempre nossa identidade de filho, empresas e projetos oscilam demais para manter nossas identidades profissionais, amizades se alternam, cidades se movem, os times caem para a segunda divisão, sobram duas opções pra quem está tentando ser alguém: casar e ter filhos. Marido e esposa, pai e mãe. Eis talvez as únicas identidades que podemos (com sorte) sustentar até a morte.
Está explicado porque o casamento é a nossa maior esperança de felicidade. Jogamos nosso ar dentro dos pulmões do outro (no começo, ele a deixa “sem ar”) e depois torcemos para que ninguém vá embora (no fim, ele não consegue mais respirar).
Mas não vamos deixar nossa vida na mão de qualquer um. De que vale um elogio “Você é um gênio!” vindo de alguém com baixo QI? Pode admitir: é muito mais gostoso ouvir “Você é um gato” de uma mulher estonteante do que de uma feiosa.
Para que a gente se sinta especial, é preciso antes que nosso parceiro seja especial! Caso contrário, a gente não acredita, o encanto não pega, a mágica não funciona.
“Ela é especial” é uma das primeiras frases na fala de um homem apaixonado. O que ele esquece de dizer é o seguinte: “Preciso encontrar razões para que ela seja especial, caso contrário eu não acreditarei quando ouvir dela que sou especial”. E então ele diz que ela também adora AC/DC, se ela for um pouco gorda. Ressalta que ela faz tudo na cama, se não for tão esperta…
Mas nenhum desses elogios se compara ao grande “Você é especial”. Inteligentes muitos são, bonitos, ricos, gostosos também. Agora, o que mais desejamos é ser únicos, singulares, ímpares, fodões, insubstituíveis. Ou melhor, sem plural: premium, VIP, edição limitada, one of a kind.
Mais do que elogiados, queremos ser escolhidos. Não entre dois, três ou dez. Mas entre todos, de todo o o Brasil, de todos os países, continentes – planetas, se possível. Se encontro alguém que poderia conquistar 4% das pessoas e ouço um “Você é especial, você é tudo pra mim, case-se comigo”, bem, sou 4% especial, ou melhor, especial num universo muito pequeno. Eu poderia confessar a um amigo: “Eu não gosto tanto dela!”. A verdade? “Ela não é especial o suficiente para me fazer acreditar que sou especial”.
O verdadeiro tesão em comer uma mulher perfeita não está na perfeição do corpo (afinal esses detalhes não fazem muita diferença no prazer sexual), mas na sensação narcísica de ser escolhido por uma mulher que poderia escolher qualquer outro homem.
É isso que Calligaris quer dizer com “aos olhos de nossos próprios ideais”: não basta que o outro me admire; eu preciso ser admirado por aquilo que eu mais considero digno de admiração e, mais ainda, por alguém que admiro. Como não consigo fazer tudo isso sozinho, chamo mais um par de olhos.
Por Gustavo Gitti
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