quarta-feira, 15 de junho de 2011
Sim, é possível ser feliz sozinho!
Antes de começar o artigo que dá nome à coluna de hoje, quero comunicar aos meus queridos quatorze leitores que não pretendo fazer nenhum comentário a respeito da novela Páginas da Vida, apesar de haver, informalmente, sinalizado que o faria, tão logo a novela estreou em julho. Isso porque, embora tenha assistido a alguns capítulos da primeira semana, logo em seguida acabei me desinteressando (Belíssima era bem mais interessante) e deixei de acompanhá-los. Nem sei a quantas anda a trama (aliás, para ser franco, nem sei mais direito do que trata a trama), pois, ultimamente, só tenho ligado a televisão para sintonizar as estações de rádio que o meu serviço de TV por assinatura oferece, principalmente as estações de new age, jazz e música clássica, que embalam com suavidade a penumbra do meu quarto, enquanto gasto horas e mais horas das minhas noites lendo gostosamente ou escrevendo.
Mas se por um lado Páginas da Vida não tem neste colunista um espectador, não posso deixar de confessar que foi da novela que nasceu a inspiração para esse artigo, ou mais precisamente, da sua música de abertura: "Wave", primorosa composição de Tom Jobim, de 1967, que se consagrou nas vozes de notáveis intérpretes como João Gilberto, Gal Costa, Nara Leão e até Ella Fitzgerald. Logo na primeira estrofe, a música afirma que “Fundamental é mesmo o amor. É impossível ser feliz sozinho.” Não nego que desde a primeira vez que ouvi "Wave" (já tem algum tempo) essa frase me incomoda ligeiramente, pelo seu tom pretensioso e categórico. Ela soa como uma constatação definitiva, irrecorrível, sem direito a argumentações e a ressalvas, quando todos sabemos que a incrível multiplicidade do ser humano não nos permite fazer generalizações, sob pena de nossas teorias serem facilmente desmentidas pela realidade; e, em geral, o são, pois a realidade sempre se impõe, a realidade sempre é soberana. E ela não pode ser resumida em teoremas ou frases feitas. Por tudo o que já aprendi, posso dizer sem nenhum medo de errar que, salvo a morte, a fome, a sede, o sono, a necessidade de oxigênio e mais um ou outro item básico da existência humana, nada é impossível. Absolutamente nada.
Não defendo a solidão total como a melhor maneira de se viver, pois o ser humano é gregário e poucas coisas na vida são tão agradáveis e construtivas quanto o convívio saudável com outras pessoas. No entanto, esse convívio deve ser espontâneo e prazeroso, senão não tem razão de ser. Lembram-se da velha máxima de que “antes só do que mal-acompanhado”? Como todo velho provérbio, ele é sábio e direto. Muitas vezes, estar sozinho pode ser mesmo a melhor opção. A solidão nos proporciona o encontro com nós mesmos, nos induz à reflexão e ajuda a iluminar o nosso caminho rumo ao autoconhecimento. O problema é que, cada vez mais, percebo que não vivemos numa sociedade de livres pensadores e sim numa sociedade de autômatos sem personalidade, que acatam com espantosa subserviência todos os modismos e exigências do sistema. As pessoas, simplesmente, não se permitem pensar e chegar a conclusões tão óbvias, preferindo abraçar cegamente e de maneira desesperada o modus vivendi estabelecido pela mídia e abrir mão da sua individualidade em nome de uma falsa sensação de aceitação social. Dessa maneira, o que passa a valer é o que a sociedade considera correto e aceitável e não o que cada um deseja sinceramente para si. E a nossa sociedade condena veementemente a solidão, como se fosse uma aberração. De maneira silenciosa, porém ostensiva, ela nos obriga a estar sempre acompanhados como condição sine qua non para podermos interagir plenamente com o meio. Uma pessoa sozinha é vista como alguém doente, sem atrativos, um rejeitado social, um infeliz que não teve competência para encontrar um(a) parceiro(a) e agora amarga a solidão por pura falta de opção. A sociedade latina em geral e a brasileira em particular ainda não aprendeu a aceitar a solidão como uma opção. Nos finais das telenovelas, por exemplo, a maioria dos personagens “bons” acaba, de alguma maneira, encontrando um par; os “maus” são punidos com a solidão e o abandono. É o supremo castigo na ficção, só comparável à prisão ou à morte.
Com as mulheres essa cobrança é ainda mais forte. Lembro-me de uma entrevista muito interessante que Lucía Etxebarría – escritora espanhola de que gosto muito, autora de Amor, curiosidad, prozac y dudas – concedeu a Antonio Skármeta, a propósito de uma matéria publicada na prestigiada revista literária Qué Leer que anunciava ter sido 1999 “o ano das mulheres”, referindo-se a uma espécie de boom na publicação de livros escritos por mulheres em língua espanhola. Etxebarría minimizava o fato: “Todos dizem: ah, você é uma escritora famosa ou dirige uma empresa ou está à frente de um conselho administrativo... Mas quando vai se casar?” – declarou ela, com a sua costumeira ironia e mordacidade, deixando claro que, aos olhos da sociedade, por mais bem-sucedida profissionalmente que seja uma mulher, ela só será considerada plenamente realizada se encontrar um marido. Nada muito diferente do que acontecia há algumas décadas.
É claro que um casamento ou mesmo um namoro prolongado podem ser extremamente gratificantes e muitas uniões duradouras comprovam isso. Mas o ato de se casar ou de ter um parceiro ao lado deve partir, sobretudo, de um anseio íntimo e genuíno e jamais de uma cobrança social coletiva. Quantas mulheres preferem cancelar sua presença em eventos sociais a ter de comparecer desacompanhadas, com medo de serem mal-vistas? Quantos homens se obrigam a se casar apenas para mostrar masculinidade à sociedade, para provar que não é um solteiro “maricas” ou adquirir mais respeitabilidade no meio que freqüentam? Quantas pessoas se empenham na busca desesperada pelo relacionamento a qualquer custo, unicamente por temerem ficar “sozinhas” e “encalhadas”? É perigoso viver à mercê do que a sociedade espera de nós. Quando não prestamos atenção aos apelos do coração e da alma e encaramos os relacionamentos de uma maneira mecânica, como uma obrigação social, passando por cima das nossas necessidades e idiossincrasias, o preço a se pagar é alto demais. O ser humano é de uma complexidade impressionante. Entender essa realidade é o primeiro passo para se compreender a essência da vida. Não só as pessoas são diferentes entre si como apresentam, ao longo do tempo, múltiplas facetas que vão se alterando à medida que os anos avançam. Ignorar isso ao abraçar um modelo pronto de comportamento ditado pelo meio é quase um suicídio da alma e da autonomia.
A solidão, muitas vezes, é necessária e não são poucas as pessoas que recorrem a ela de tempos em tempos. Existem algumas que chegam ao extremo de viver a maior parte do seu tempo sozinhas. Infelizes e frustradas? Eu não me arriscaria a defini-las assim, tão precipitadamente. Elas podem, simplesmente, ter feito essa escolha. Sim, a solidão pode ser uma escolha consciente para muita gente que consegue viver, e muito bem, dessa maneira, melhor até do que se estivessem casadas e com muitos filhos. Afinal, cada um sabe qual o melhor caminho para si. Optar por não se casar, por não constituir uma família nos moldes tradicionais não é, obrigatoriamente, uma anomalia. Pode ser o fruto de uma decisão pensada, de anos de reflexão. Eu lhes afirmo com largo conhecimento de causa: muitas vezes, estar sozinho é maravilhoso. Ainda porque creio que só somos capazes de apreciar plenamente a companhia alheia, depois que aprendemos a apreciar a nossa própria companhia e a nos conhecer com mais profundidade.
Seja como for, não podemos permitir que a sociedade influa tão fortemente num terreno íntimo quanto a afetividade e a nossa relação com o mundo exterior. Casar ou não, namorar ou não, ter filhos ou não deve ser uma decisão nossa e exclusivamente nossa, uma decisão individual e movida unicamente pela nossa vontade e pelo impacto nas nossas vidas. Não importa o que prega a mídia, não importa o que a sociedade supostamente considera certo. Cada um deve eleger o seu caminho e trilhá-lo, ainda que este caminho não leve ao altar, à maternidade ou à vida a dois. Afinal, ao contrário do que pregava Tom Jobim, é, sim, possível ser feliz sozinho, desde que essa solidão seja voluntária e construtiva. E conduza a uma vida feliz, em conformidade com a maneira de ser e as necessidades de quem optou por ela.
Luis Eduardo Matta
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